Sem bruxas

GOIÂNIA – Li muita coisa hoje, muita mesmo, sobre o acidente de cinema que Pedro Piquet sofreu no Porsche GT3 Cup em Goiânia. Esse do vídeo aí acima, que seguramente todo mundo já viu. Foi compartilhado à exaustão e ganhou o mundo. Além da plástica da sequência de nove capotagens em seis segundos e meio, a coisa toda envolveu um filho de Nelson Piquet. O nome pesa, numa hora dessas.

Todo mundo viu-se obrigado a dar uma opinião, a tentar arrematar a questão. É assim, em tempos de internet, não há como fugir disso diante de fato algum, sobretudo num evento relevante como o voo espetacular de Pedrinho. Na narração da corrida, defini a imagem do acidente como “espetacular”. Soube, momentos mais tarde, que dos boxes Nelson retrucou meu termo com um sonoro palavrão. Faz parte.

Li pessoas demonizando Pedro por ter arriscado uma ultrapassagem pelo lado de fora da pista. Estranho. O pouco que aprendi sobre automobilismo em alguns anos pulando de pista em pista me levou a crer que corridas de carros consistiam em pilotos tentando ultrapassar quem vai à frente e pilotos tentando evitar a ultrapassagem de quem vem atrás. Exatamente o que acontecia com Pedro e Ricardo Baptista. Li, também, pessoas afirmando categoricamente que Pedro havia sofrido fratura, ou fraturas, no braço. Uma pinoia, não fraturou nada.

Igualmente, li pessoas demonizando Ricardo, acusando-o de manobra desleal, de não ter sido habilidoso o suficiente, tratando-o por adjetivos chulos. Ora, como não é habilidoso um piloto que já ganhou umas vinte corridas (não tenho o número exato aqui), que foi duas vezes campeão no próprio Porsche GT3 Cup?

Pedro estava hospitalizado e não declarou nada a ninguém, exceção ao comentário com que legendou uma foto postada em seu perfil no Instagram – “Tudo certo, pessoal, pequeno susto aqui, estou ótimo. Obrigado por todo o apoio”. Ninguém perguntou ao Ricardo o que foi o acidente – a única coisa que tive oportunidade de perguntar a ele, enquanto os pilotos reuniam-se a uma sombra à espera da nova largada e discutiam entre si a situação, era se ele estava legal; respondeu que sim com um movimento de cabeça, o olhar ainda um tanto distante. Não o vi mais.

Mas soube que, a partir do primeiro toque lateral entre os dois carros, na saída da curva Dois, o pneu dianteiro esquerdo de Ricardo furou, o que explica sua guinada repentina para a esquerda. Seu carro, sem o apoio do pneu dianteiro, ficou desgovernado e atingiu o de Pedro, e foi essa a causa do acidente. Simples assim. Corridas implicam um risco iminente. Nelson, que conhece bem todos os pormenores desse esporte, não deu chiliques. Tratou de dar um pique a pé até o local do acidente, uns 700 metros distante do box onde estava. Viu a situação de perto por uns segundos, respirou, relaxou e se afastou para não comprometer o trabalho da equipe médica que providenciava o resgate do menino. E embarcou com a maca que levava Pedro imobilizado até o hospital, e lá permanece até agora, quase dez da noite, e lá deve passar a noite ao lado do filho, que deve receber alta pela manhã – fica sob observação.

Meio besta esse negócio de caçar culpados em tudo. Motorsport is dangerous, avisam os regulamentos e as credenciais, entra nele quem quer. Pedro continua querendo, e tem o aval do pai para isso.

No fim de semana goiano dividi quarto com o Luís Ferrari, jornalista que acompanha de perto a trajetória da família Piquet nas pistas. Há pouco, ao sair esbaforido para o aeroporto, o Ferrari me cumprimentou e disse que vamos lembrar bastante do dia de hoje quando o Pedro for campeão mundial.

Minha admiração por esse menino, o Pedro, tem aumentado gradativamente nos últimos meses. Depois do papo que tive com ele na última sexta, aliás, ele ganhou mais um torcedor. Vou aplaudir bastante se o dia que o Ferrari preconizou chegar.

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Mais cedo, assim que cheguei ao hotel, vi no Facebook a indagação de um amigo que corre no Paulista de Marcas & Pilotos e que daqui a duas semanas vai estrear no Mitsubishi Lancer Cup sobre o que eu poderia dizer sobre responsabilidades acerca do acidente e sobre retaliações que eu pudesse eventualmente ter da direção do campeonato se opinasse para algum lado. Respondi-lhe que no Porsche GT3 Cup não existe esse tipo de melindre, não haveria por que existir – não se pratica lei do cabresto por aqui, em resumo. Disse também que, embora não me sentisse obrigado a ter alguma posição sobre o assunto, preferia examinar com todo o cuidado as imagens do acidente antes de comentar qualquer coisa. Mas, em atenção a esse amigo e a outros mais que possam ter interesse nas minhas considerações quase sempre dispensáveis, estou reunindo opiniões/informações/confidências sobre os episódios de hoje em um texto que estará disponível amanhã cedo no Motorsport.com.

(ATUALIZANDO EM 22 DE SETEMBRO, ÀS 11h14)

Já repiquei por outros meios. De qualquer forma, as impressões que prometi publicar no Motorsport.com estão nesse link aqui.

5 pensamentos sobre “Sem bruxas

  1. Gostei muito desse texto. Sempre pensei isso quando eu estava envolvido em acidente.
    Pra ganhar uma corrida, o piloto precisa ir no limite do risco. As vezes, esse limite muda derepente, e é onde acontecem os acidentes como o de hoje.
    Se esses pilotos estivessem em casa como eu hoje, nada teria acontecido, mas não seriam pilotos.
    #ficaadica galera

    Abraços Luc

  2. Assino embaixo de todos os textos que vc escreveu hj, Luc.
    Gozações que fazemos à parte entre nós, foi por vc que fiquei informado e aliviado com tudo o que aconteceu em Goiânia, uma vez que não pude acompanhar mais de perto devido ao trabalho.
    A “Profecia” do Luis Ferrari vai se consumar!

  3. Ótimo texto Luc. Sou kartista amador, e sabemos todos os riscos que corremos quando colocamos o capacete em entramos na pista. Infelizmente não assisti a prova da Posche Cup no domingo, pois no mesmo horário estava sepultando um amigo que faleceu depois de um acidente grave numa prova de Kart no domingo anterior. Da mesma maneira logo após o acidente houve uma verdadeira caça as bruxas, tentando imputar a culpa a alguém. Todos somos culpamos e todos somos inocentes. O esporte que escolhemos, uns como profissão outros como hobby, é de alto risco e devemos estar cientes dos mesmos.
    Grande abraço

  4. Pingback: A anatomia de um acidente: a capotagem espetacular de Pedro Piquet na Porsche Cup - FlatOut!

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